Enem
2012: estudante escreve receita de miojo na redação e recebe nota 560
- Texto gera debate sobre critérios de correção
- MEC diz que aluno não fugiu do tema nem teve a intenção de anular a redação por não ter ferido os direitos humanos e não ter usado palavras ofensivas
Redação do Enem em que um candidato ensina como preparar miojo
Reprodução
O que culinária tem a ver com movimentos imigratórios para o Brasil no
século XXI, tema da redação da última edição do Exame Nacional de Ensino Médio
(Enem)? À primeira vista, nada. No entanto, dois corretores da prova entenderam
como “adequada” a abordagem temática por parte de um candidato que descreveu
como preparar um Miojo no meio de seu texto. Enquanto estudantes tiraram nota
1000 cometendo erros como “trousse”, “enchergar” e “rasoavel”, como mostrou O
GLOBO na segunda-feira, o candidato que agiu com deboche ficou com 560 pontos.
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Nos dois primeiros parágrafos, o vestibulando chega a comentar a questão
da imigração. Mas, no parágrafo seguinte, o candidato descreve o modo de
preparo do macarrão instantâneo:
“Para não ficar muito cansativo, vou agora ensinar a fazer um belo
miojo, ferva trezentos ml’s de água em uma panela, quando estiver fervendo,
coloque o miojo, espere cozinhar por três minutos, retire o miojo do fogão,
misture bem e sirva”.
Como se nada tivesse acontecido, o candidato retoma o tema da imigração
no parágrafo seguinte e conclui que “uma boa solução para o problema o governo
brasileiro já está fazendo, que é acolher os imigrantes e dar a eles uma boa
oportunidade de melhorarem suas vidas”. Das 24 linhas da redação, quatro foram
reservadas apenas para descrever o modo de preparo da massa.
Embora haja critérios para se tirar nota 0 na redação no Guia do
Participante, como a fuga total do tema e impropérios ou atos propositais de
anulação, o vestibulando em questão tirou 560 em 1000.
O candidato recebeu 120/200 (60%) na competência 2 da correção, em que
são avaliadas a compreensão da proposta da redação e a aplicação de
conhecimentos para o desenvolvimento do tema. Pela nota, o Ministério da
Educação (MEC) entende que o estudante abordou o tema de forma “adequada”,
embora “previsível” e com “argumentos superficiais”. Na competência 3, na qual
é avaliada a coerência dos argumentos, o candidato recebeu 100/200 (50%).
Em nota, o MEC afirmou que “a presença de uma receita no texto do participante
foi detectada pelos corretores e considerada inoportuna e inadequada,
provocando forte penalização especialmente nas competências 3 e 4”. O órgão
entende que o aluno não fugiu do tema nem teve a intenção de anular a redação,
pois não feriu os direitos humanos e não usou palavras ofensivas.
Entretanto, os critérios de avaliação das redações do Enem estão longe
de serem consensuais. O GLOBO mostrou ontem que redações nota 1000 (máxima) da
edição de 2012 continham erros graves de grafia e concordância. Para o
coordenador de Língua Portuguesa e Redação do Colégio pH, Filipe Couto, os
critérios de correção não são claros.
- O edital do Enem diz uma coisa e a banca faz outra. Para ele tirar 120
na competência 2, é como se não tivesse se desviado do tema e o abordasse
adequadamente, mas não foi o que aconteceu - afirmou Couto.
Já para um dos coordenadores da banca de redação do Enem, que pediu para
não ser identificado, não haveria como saber se o candidato colocou a receita
para ganhar linhas, testar a correção ou debochar. No entanto, segundo ela, a
orientação dada aos corretores é levar ao máximo em consideração a parte onde o
aluno se atém ao tema, diminuindo a pontuação em outras competências se for o
caso.
- Na parte em que ele escreveu sobre o tema, ele se saiu bem. A
orientação é considerar o que for possível. Desse modo, ele conseguiu metade da
nota - afirmou a corretora.
Mas o raciocínio não é tão claro para quem orienta candidatos do Enem
nas salas de aula. De acordo com o professor de redação do curso Pensi e da
Escola Modelar Cambaúba, Raphael Torres, o candidato cometeu erros graves ao
usar a primeira pessoa do singular e verbos no imperativo. E concluiu:
- A partir do momento em que se escolhe falar de Miojo, o candidato
quebra a estrutura dissertativa pedida no edital. Mas a banca não enxerga isso
como impropério. Ela pega as próprias brechas que fez com o Guia do
Participante para legitimar a nota que deu. Ele deveria tirar uma pontuação
muito mais baixa do que 560 - argumentou.
Publicado:
19/03/13 - 6h00
Atualizado:
19/03/13 - 8h38
Fonte: O Globo