terça-feira, 19 de março de 2013



Enem 2012: estudante escreve receita de miojo na redação e recebe nota 560
  • Texto gera debate sobre critérios de correção
  • MEC diz que aluno não fugiu do tema nem teve a intenção de anular a redação por não ter ferido os direitos humanos e não ter usado palavras ofensivas
Redação do Enem em que um candidato ensina como preparar miojo Reprodução 

 
O que culinária tem a ver com movimentos imigratórios para o Brasil no século XXI, tema da redação da última edição do Exame Nacional de Ensino Médio (Enem)? À primeira vista, nada. No entanto, dois corretores da prova entenderam como “adequada” a abordagem temática por parte de um candidato que descreveu como preparar um Miojo no meio de seu texto. Enquanto estudantes tiraram nota 1000 cometendo erros como “trousse”, “enchergar” e “rasoavel”, como mostrou O GLOBO na segunda-feira, o candidato que agiu com deboche ficou com 560 pontos.
Veja também
Nos dois primeiros parágrafos, o vestibulando chega a comentar a questão da imigração. Mas, no parágrafo seguinte, o candidato descreve o modo de preparo do macarrão instantâneo:
“Para não ficar muito cansativo, vou agora ensinar a fazer um belo miojo, ferva trezentos ml’s de água em uma panela, quando estiver fervendo, coloque o miojo, espere cozinhar por três minutos, retire o miojo do fogão, misture bem e sirva”.
Como se nada tivesse acontecido, o candidato retoma o tema da imigração no parágrafo seguinte e conclui que “uma boa solução para o problema o governo brasileiro já está fazendo, que é acolher os imigrantes e dar a eles uma boa oportunidade de melhorarem suas vidas”. Das 24 linhas da redação, quatro foram reservadas apenas para descrever o modo de preparo da massa.
Embora haja critérios para se tirar nota 0 na redação no Guia do Participante, como a fuga total do tema e impropérios ou atos propositais de anulação, o vestibulando em questão tirou 560 em 1000.
O candidato recebeu 120/200 (60%) na competência 2 da correção, em que são avaliadas a compreensão da proposta da redação e a aplicação de conhecimentos para o desenvolvimento do tema. Pela nota, o Ministério da Educação (MEC) entende que o estudante abordou o tema de forma “adequada”, embora “previsível” e com “argumentos superficiais”. Na competência 3, na qual é avaliada a coerência dos argumentos, o candidato recebeu 100/200 (50%).
Em nota, o MEC afirmou que “a presença de uma receita no texto do participante foi detectada pelos corretores e considerada inoportuna e inadequada, provocando forte penalização especialmente nas competências 3 e 4”. O órgão entende que o aluno não fugiu do tema nem teve a intenção de anular a redação, pois não feriu os direitos humanos e não usou palavras ofensivas.
Entretanto, os critérios de avaliação das redações do Enem estão longe de serem consensuais. O GLOBO mostrou ontem que redações nota 1000 (máxima) da edição de 2012 continham erros graves de grafia e concordância. Para o coordenador de Língua Portuguesa e Redação do Colégio pH, Filipe Couto, os critérios de correção não são claros.
- O edital do Enem diz uma coisa e a banca faz outra. Para ele tirar 120 na competência 2, é como se não tivesse se desviado do tema e o abordasse adequadamente, mas não foi o que aconteceu - afirmou Couto.
Já para um dos coordenadores da banca de redação do Enem, que pediu para não ser identificado, não haveria como saber se o candidato colocou a receita para ganhar linhas, testar a correção ou debochar. No entanto, segundo ela, a orientação dada aos corretores é levar ao máximo em consideração a parte onde o aluno se atém ao tema, diminuindo a pontuação em outras competências se for o caso.
- Na parte em que ele escreveu sobre o tema, ele se saiu bem. A orientação é considerar o que for possível. Desse modo, ele conseguiu metade da nota - afirmou a corretora.
Mas o raciocínio não é tão claro para quem orienta candidatos do Enem nas salas de aula. De acordo com o professor de redação do curso Pensi e da Escola Modelar Cambaúba, Raphael Torres, o candidato cometeu erros graves ao usar a primeira pessoa do singular e verbos no imperativo. E concluiu:
- A partir do momento em que se escolhe falar de Miojo, o candidato quebra a estrutura dissertativa pedida no edital. Mas a banca não enxerga isso como impropério. Ela pega as próprias brechas que fez com o Guia do Participante para legitimar a nota que deu. Ele deveria tirar uma pontuação muito mais baixa do que 560 - argumentou.

Lauro Neto (Facebook · Twitter)
Leonardo Vieira (Facebook · Twitter)
Publicado: 19/03/13 - 6h00
Atualizado: 19/03/13 - 8h38
Fonte: O Globo

sexta-feira, 15 de março de 2013



Escola de tempo integral: funciona?

Educação é, sem dúvida, o pilar das sociedades. Investir em educação é investir na própria sociedade, no seu desenvolvimento, no seu futuro.

Assistimos, atualmente, um esforço dos governos federal, estaduais e municipais em melhorar a qualidade da educação oferecida às crianças do ensino fundamental, de seis a 14 anos. Pode-se citar como exemplo os programas de educação integral, onde se propõe o aumento do tempo de permanência do aluno na escola. Estando mais tempo na escola, o aluno estaria “protegido” dos perigos da rua, ao mesmo tempo em que se garantiria um maior tempo para seu aprendizado integral.

Por perigos, leia-se violência, drogas, marginalização e toda a gama de influências que podem advir à criança que mora em situações de vulnerabilidade social. Pensando-se por esse ângulo, a iniciativa é louvável, pois ainda garante ao aluno sua alimentação – almoço, lanche.

O aprendizado integral envolve todas as áreas que estimulam o desenvolvimento cognitivo, psicossocial e psicológico da criança, como as artes, o teatro, a música, a leitura, o esporte, entre outras. Sendo assim, seriam oferecidas aos alunos oportunidades de vivências múltiplas nessas áreas.

Estar na escola em tempo integral, portanto, não significa estar sentado o dia todo atrás das carteiras, lendo, escrevendo e fazendo contas. Haveria o tempo das aulas “convencionais” e o tempo das atividades complementares, divididos nos períodos da manhã e da tarde. Para isso, exigem-se profissionais qualificados e preparados para lidar com uma clientela que por muito tempo foi marginalizada na escola e que por isso, em sua maioria, apresentam comportamento agitado, impulsivo, agressivo até. Exigem-se espaços apropriados também: quadras, ambientes de artes, música, auditórios, teatros. È um grande investimento em pessoal e material, além de reformas físicas.

A outra realidade - “Tive a experiência de ser professor de teatro em uma escola estadual, em Minas Gerais, na qual o Programa de Tempo Integral é amplamente divulgado. Porém, eu vi outra realidade. Uma realidade que exige muito do professor e dos alunos. Dava as minhas aulas de teatro em uma sala de aula pequena e tendo que improvisar espaços e cenas teatrais para levar algum conhecimento para os alunos. E tive que lidar com meninos e meninas que tinham problemas psicológicos sem ao menos ter um apoio de um profissional na área. E, além disso, virava “babá” dos alunos, pois tinha que auxiliar até a escovação dos dentes. Tinha que ter um profissional voltado para o ensino da higiene pessoal e psicólogos. No final do turno da manhã, os alunos estão cansados e desmotivados para as aulas do turno da tarde”, relatou um professor que preferiu não se identificar.

É louvável esse programa, porém, se as dificuldades não forem sanadas e não termos investimentos essenciais no âmbito profissional e humano dos professores, e na parte física das escolas, o programa será mais um “Fome Zero”, sem consistência e puramente assistencialista. Deixando de lado a verdadeira essência do projeto: a proteção e a inserção dos jovens alunos à sociedade. Ainda é hora de arrumar a escola de tempo integral. Só basta boa vontade dos nossos governantes.

Por Alexandre Lana Lins e Cadri